Enquanto há 200 anos se marchava clamando por sangue, hoje se caminha em busca da paz de Cristo o6335
Antes da Revolução sa, houve marchas que mudaram a história. Em 1789, milhares de mulheres e revolucionários caminharam de Paris a Versalhes clamando por pão — e também pela cabeça da nobreza. A fome era real, mas os bastidores da marcha revelavam algo mais: uma estratégia para abalar as estruturas do Antigo Regime e implantar, pela força, um novo poder. A marcha foi o prenúncio de um regime de ferro e fogo, em que a guilhotina substituiu o altar e a liberdade se viu aprisionada sob novas formas de tirania.
Hoje, mais de dois séculos depois, uma nova marcha volta a cruzar os caminhos da França. Mas ela aponta em outra direção — não ao palácio, mas à catedral; não ao sangue, mas à Cruz.
A tradicional peregrinação de Pentecostes de Paris a Chartres, realizada anualmente desde 1983, tem se tornado um fenômeno espiritual e cultural que surpreende até os mais céticos. Este ano, 19 mil peregrinos caminharam os 100 quilômetros entre a capital sa e a esplendorosa Catedral de Chartres, símbolo do gótico cristão, para reafirmar sua fé, buscar santidade e testemunhar a presença viva da Igreja em uma sociedade cada vez mais secularizada.

A iniciativa, organizada pela associação leiga Notre-Dame de Chrétienté, reúne fiéis ligados à missa tradicional em latim, segundo o Missal de 1962. A média de idade dos participantes é de apenas 23 anos — um sinal poderoso de que a renovação não vem por imposição, mas por atração espiritual.
O evento já se tornou tão grande que foi necessário limitar o número de participantes e dividir a peregrinação em três grandes seções. Para os mais de 2 mil que ficaram de fora, foi criado, com bom humor, o “Capítulo Santa Paciência”, prometendo prioridade nas inscrições do próximo ano.
Durante os três dias de jornada, há espaço para o sacrifício físico, a oração do terço, confissões, meditações e cânticos. Mais de 450 padres acompanham os grupos, e histórias comoventes surgem pelo caminho: como a de um morador de rua que, ao ver um sacerdote na procissão, pediu uma confissão que não fazia havia 40 anos — ali mesmo, na rua.
Segundo Hervé Rolland, porta-voz da peregrinação, cerca de 60% dos participantes frequentam a missa tradicional, 25% participam do rito moderno (novus ordo) e o restante inclui tanto pessoas em busca de fé quanto evangélicos e até muçulmanos convidados por amigos convertidos ao catolicismo.
A marcha exige esforço: dormir em barracas, acordar às cinco da manhã, ar desconfortos. Mas é justamente essa exigência que, segundo os organizadores, torna a experiência tão significativa.
O bispo de Chartres, Dom Philippe Christory, caminha com os peregrinos e destaca: “A maioria deles não vem com exigências ideológicas, mas para viver um ato de fé, sacrifício e fraternidade. Eles querem se formar na fé, aprender mais, e testemunhar que a Igreja Católica está viva”.
Enquanto as marchas do ado queriam derrubar tronos, esta quer apenas indicar o único trono que não a: o da Cruz. A França, que já foi chamada de “filha primogênita da Igreja”, parece despertar — não por meio de discursos políticos, mas pelo o humilde de milhares de jovens em oração.