Nos últimos anos, os bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam com impressionante fidelidade a aparência e o peso de recém-nascidos — têm ganhado espaço em lares brasileiros. Muito além de simples brinquedos, esses bonecos se tornaram companhia terapêutica para pessoas em luto, mulheres que enfrentam a chamada “síndrome do ninho vazio” e até colecionadores que desenvolvem laços emocionais intensos com esses pequenos simulacros da vida.
No entanto, à medida que a presença dos bebês reborn se populariza, surge também uma questão delicada e inusitada no campo jurídico: seria possível estender a seus “pais” ou “mães” certos direitos previstos em lei para a maternidade real, como licença, adoção ou atendimento médico pelo SUS?
A advogada Patricia Botti, especialista em Direito de Família, abordou com clareza e sensibilidade essas questões em um artigo publicado no portal JusBrasil, e ajudou a esclarecer os limites legais e as possibilidades reais que envolvem essa temática.
O que são, afinal, os bebês reborn?
Trata-se de bonecos produzidos artesanalmente com técnicas refinadas que simulam com detalhes impressionantes os traços e a textura da pele de um bebê de verdade. Alguns modelos chegam a emitir sons, respirar artificialmente ou simular batimentos cardíacos. Seu uso varia desde fins artísticos e colecionáveis até a função terapêutica, servindo como ferramenta de apoio emocional.
O SUS deve atendê-los?
Segundo Patricia Botti, a Constituição Federal estabelece que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender com universalidade e integralidade todos os cidadãos brasileiros. Porém, esse atendimento se restringe a pessoas humanas, com necessidades físicas e biológicas reais. Um bebê reborn, por mais fiel à realidade que seja, não é um ser vivo e, portanto, não possui personalidade jurídica — conceito fundamental para a geração de direitos.
Dessa forma, o SUS não pode — e nem deve — prestar atendimento direto ao bebê reborn. No entanto, Botti ressalta que o adulto que apresenta sofrimento psíquico relacionado à perda de um filho ou a outra condição emocional pode, sim, e deve, buscar apoio psicológico no SUS. Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), psicólogos e psiquiatras da rede pública estão disponíveis para acolher essas pessoas.
Licença-Maternidade e outros benefícios legais?
A licença-maternidade, conforme explicado por Patricia Botti, é prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e se destina a mulheres que dão à luz, adotam ou obtêm a guarda judicial de uma criança. Como nenhuma dessas situações se aplica à posse de um bebê reborn, não há base legal para solicitar esse tipo de benefício.
Segundo a especialista, mesmo em casos em que a relação emocional com o boneco é profunda, o direito à licença ou a benefícios previdenciários não encontra respaldo jurídico, já que estamos diante de um objeto inanimado, e não de uma criança real sob tutela.
E Quanto à Adoção?
Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade de se adotar um bebê reborn. A adoção é um instituto legal voltado exclusivamente para seres humanos, menores de idade, em situação de vulnerabilidade. Como pontuado por Patricia Botti, as “certidões de nascimento” fornecidas por alguns artesãos ou lojas têm apenas valor simbólico ou afetivo, sem qualquer validade jurídica.
A saúde mental é direito real
Embora não haja amparo legal para equiparar a posse de um bebê reborn à maternidade, Patricia Botti reforça que é legítima a busca por acolhimento psicológico, sobretudo quando a relação com o boneco se dá como forma de lidar com o luto, a depressão ou outros quadros emocionais.
Nesses casos, o SUS tem o dever de acolher e tratar a saúde mental do indivíduo, seja por meio de CAPS, psicólogos da rede pública ou outras formas de atendimento psicológico.
Conclusão
Como destaca Patricia Botti, ainda que os bebês reborn tenham grande valor afetivo e emocional, eles não possuem personalidade jurídica, e por isso não geram efeitos legais como licença-maternidade, atendimento pediátrico pelo SUS ou direito à adoção.
Contudo, a dor emocional envolvida pode ser profunda e real — e, nesse sentido, merece acolhimento e cuidado. O direito à saúde mental é protegido por lei, e buscar ajuda é um o corajoso e importante.